Um manifesto em 5 porquês sobre a importância da escrita para todos os profissionais
Será que os 5 porquês foram “disruptados”?
Um prólogo pós Chat GPT
Quando o Chat GPT chegou como um modelo super avançado para a criação de textos, não foram poucas as pessoas que me mandaram uma mensagem: “E agora, como fica o Clube da Escrita?”.
Alguns, movidos por uma preocupação genuína, sabendo que este era o meu projeto do coração – seria ele “disruptado” pela nova tecnologia? Outros muitos, querendo alguma interlocução para começar a mapear os impactos daquilo. Afinal, a maioria de nós tem a escrita no núcleo essencial do trabalho do dia a dia.
Eu mesma fiquei impactada, claro. Experimentei. Usei para algumas investigações – algumas vezes fiquei satisfeita, outras não. Recebi muita informação errada e texto genérico; mas também ótimos atalhos para informações que levaria muito mais tempo para conseguir pesquisando passo a passo.
Mas aí eu fiquei pensando no que a escrita significa na minha vida – esse processo que estou vivenciando exatamente agora, pensando em você leitora ou leitor, e buscando as melhores palavras para comunicar a minha visão de mundo. Em seguida, lembrei de cada uma das escritoras e dos escritores que passaram pelo Clube da Escrita. Cada pessoa com suas motivações e aspirações, mas com algo em comum: o desenvolvimento pessoal por meio da escrita.
Um texto do Chat GPT substitui um texto autoral? Ainda acho que não. Mas não tenho dúvidas em afirmar que o uso do Chat GPT não substitui o processo de escrita.
Destes 5 porquês, nenhum deles a IA pode fazer por você.
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A escrita é a habilidade que dá acesso a (quase) todas as outras.
É essencial para fortalecer as demais habilidades humanas.
É a habilidade das habilidades.
Mas nós raramente falamos – ou lemos – sobre ela.
Nunca vi um só líder ser incentivado a dar feedbacks aos seus times sobre a forma como escrevem. Nenhum PDI (Plano de Desenvolvimento Individual) contemplando o tema. Cursos ou treinamentos voltados à escrita, só conheci alguns muito pontuais ou ferramentais – em sua maioria, focados na escrita de e-mails, mensagens ou relatórios.
Nenhum curso sobre “escrita disruptiva” jamais me foi enviado pelo algoritmo –enquanto abundam os de oratória, comunicação não violenta, storytelling, apresentações, lideranças variadas e congêneres. (“Pesquisas comprovam” que habilidades não adjetivadas de disruptivas estão absolutamente fora de moda).
Para ser mais precisa, é necessário reconhecer que aparecem algumas ofertas de escrita afetiva, escrita criativa, escrita terapêutica, roteiro e inúmeras de copywriting – mas escrita para profissionais, zero. Em especial para aqueles que querem escrever para compartilhar conhecimento, sem foco primeiro na autopromoção.
A escrita no campo profissional é assunto em casos isolados, como o da Amazon. O fato de as pessoas escreverem um memorando corrido de 6 páginas é visto como uma anedota exótica – ainda mais quando se sabe que os 30 minutos iniciais das reuniões são dedicados à leitura individual do documento. Muitas empresas querem copiar a prática de Bezos de proibir o PowerPoint, mas poucas dão o necessário próximo passo de colocar a escrita além dos bullet points no DNA de suas práticas de gestão. Seis páginas? Um exagero. Este texto tem umas quatro e você provavelmente ainda está avaliando se chegará ao fim.
Então, vamos a uma anedota pessoal para reter a leitora e o leitor (olha aí o aprendizado do curso de storytelling).
Há quase dois anos, quando lancei o livro Aprendiz Ágil (com o Alexandre Teixeira pela Arquipélago Editorial) entendi que era escritora e comecei a refletir sobre como a escrita e meus projetos de inovação em aprendizagem se complementam. Depois, com o lançamento da minha coluna n’O Futuro das Coisas, ampliei a reflexão para os profissionais incríveis com quem convivo e trabalho. Tanta gente fazendo tanta coisa que merece ser compartilhada! Os posts, as lives e os podcasts estão aí, em profusão (amo). Mas a escrita estruturada, pensada com começo, meio e fim, leva o amadurecimento das ideias a um outro patamar, que possibilita saltos maiores ao leitor. E qualifica a contribuição do escritor – além de sedimentar o seu próprio aprendizado.
Não é possível, as pessoas devem ter vontade de escrever mais!
Essa era a minha opinião, e comecei a testar se fazia sentido para mais gente. Em todas as oportunidades que tive no último ano, perguntei para as pessoas:
- Você gostaria de escrever mais sobre o seu trabalho?
O sim foi unânime.
Então, o que será que está acontecendo?
...
Foi aí que veio o insight que foi um divisor de águas na minha forma de pensar aprendizagem, carreira e desenvolvimento profissional. A escrita é uma habilidade negligenciada, que está em uma zona invisível: por um lado, muitas pessoas querem e precisam aprender a escrever melhor; por outro, quase não se fala sobre isso.
Será que é porque lidamos com a escrita como algo dado, afinal nos alfabetizamos na infância?
Será que é porque, em tempos de upskilling e reskilling, falar de algo milenar parece perda de tempo, fora de moda?
Será que nos sentimos oprimidos pelos deuses do LinkedIn e pelo medo da crítica?
Será que o consumo rápido de conteúdo nas redes sociais viciou nosso pensamento de tal forma que nos sentimos incapazes de criar algo mais aprofundado?
Não sei exatamente. Acho que um pouco disso tudo. E em combinações diferentes para diferentes pessoas.
Mas uma certeza eu tenho: escrever mais e melhor sobre o trabalho, com a intenção genuína de criar e compartilhar conhecimento, é um desejo latente em muitas pessoas.
E digo mais! Estou convencida de que essa perspectiva é ainda mais interessante para a carreira do que considerar a escrita como um recurso usado unicamente para “se vender”.
Vem comigo e entenda os porquês.
PORQUÊ 1: o mundo precisa de mais vozes autênticas
Howard Gardner, psicólogo da Universidade de Harvard, no seu maravilhoso livro Cinco Mentes para o Futuro, mudou a minha forma de ver o aprendizado: ele diz que o que realmente importa é o que o mundo precisará de nós no futuro – e não apenas o que nós precisaremos para “vencer no amanhã”.
O mesmo raciocínio se aplica à autoria focada em construir e compartilhar conhecimento. Nós somos muitos, podemos ser mais ativos e conectados – e assim construir as comunidades às quais queremos pertencer. Ao publicar e ler os nossos pares, criamos espaços reais de legitimação de ideias e valores sobre os quais falamos tanto, como inclusão, pluralidade, transparência, responsabilidade, afeto, generosidade, profundidade, inovação... (escreva o seu nas reticências).
PORQUÊ 2: escrever é aprender
“Escrever é reescrever”. A leitura de Como Escrever Bem, do William Zinsser, foi fundamental no meu processo de investigação sobre a escrita profissional. Focado na não ficção, mesmo se autodenominando “manual” vai muito além das receitas e coloca a escrita na dimensão que buscamos alcançar no nosso Clube: a um só tempo um processo de aprimoramento pessoal e de compromisso com o leitor.
Foi uma felicidade – mas não uma completa surpresa – quando descobri que o Zinsser já estava lá na frente na ideia que eu vinha fermentando. No seu livro Writing to Learn, Escrevendo para Aprender, em tradução livre, ele diz que pensar, escrever e aprender são parte do mesmo processo. E que escrever é uma forma de entender o que sabemos, o que não sabemos e o que queremos dizer. Ele diz ter descoberto que pessoas que escrevem sobre o seu trabalho geralmente mantêm um sentimento de “alegria e maravilhamento” pelo que fazem.
Para você que quer ser um lifelong learner: escreva, escreva, escreva.
PORQUÊ 3: escrever é refletir – com benefícios
Imagina se existisse um jeito de registrar os nossos pensamentos, para que pudéssemos recuperá-los sempre que quiséssemos. E que esse próprio registro, ao ser feito, ajudasse a aprimorar as ideias. Pois existe: é a escrita.
Escrever é muito mais do que uma ferramenta para comunicar conceitos prontos. É uma forma de desenvolvê-los e, indo além, um processo que ajuda a entender o nosso próprio modelo mental.
Não é fácil abrir tempo para reflexão no dia a dia, mas cada vez mais sabemos que não tem como fugir disso se quisermos seguir aprendendo. Não existe atalho! Mesmo os estudos mais pragmáticos vêm demonstrando a importância da reflexão, como esse da MindTools, que conecta a maturidade da cultura de aprendizagem aos resultados de negócio (turnover, produtividade e receita). Os números demonstram que o tempo para reflexão é uma das grandes diferenças entre organizações pouco e muito maduras em relação à cultura de aprendizagem. Apenas 3% das pouco maduras encorajam que as pessoas preservem tempo para refletir – nas mais maduras, esse número sobe para 62%.
Em uma realidade que muda o tempo todo, é necessário parar para pensar. Escrever pode ser a forma mais concreta, autônoma e acessível de fazer isso.
PORQUÊ 4: escrever fomenta a sua antifragilidade
“Se você está em dúvida sobre quem contratar, contrate aquele que escreve melhor”, dizem Jason Fried e David Hansson no livro Rework: change the way you work forever (você pode ler sobre o livro no site da Ligia Fascioni).
Escrever bem e dominar intencionalmente a escrita como ferramenta de trabalho aumenta a sua capacidade de adaptação e criação a partir de situações inesperadas. Absorver novas ideias, refletir sobre elas e produzir uma visão própria é um processo presente no trabalho – processo que espelha a essência da escrita. Essa capacidade de digerir o que vem de fora é essencial para a nossa adaptabilidade em uma rotina profissional cheia de sustos.
Olha só o que Fried e Hansson dizem sobre profissionais escritores:
“... ser um bom escritor é mais do que escrever. Uma escrita clara é um sinal de pensamento claro. Os grandes escritores sabem como comunicar. Tornam as coisas fáceis de compreender. Eles podem colocar-se no lugar de outra pessoa. Eles sabem o que omitir.” (p. 173)
“Escrever é a moeda de troca para as boas ideias hoje” – e não sou eu que estou falando.
PORQUÊ 5: escrever é um jeito de “fazer devagar para acabar rápido”
Agora sim sou eu que estou falando.
Eu nem lembrava, mas uma amiga me trouxe de volta essa frase um dia desses, que eu usava quando trabalhava em uma grande corporação. Se dedicarmos o tempo necessário para cuidar do nascimento das ideias e projetos, tenderemos a deixar os erros futuros para o que é realmente inesperado. Escrever é uma forma de mapear a complexidade de um tema e a incompletude de uma proposta.
Claro que você vai aprender com a prática e os feedbacks dos clientes – mas escrever sobre o seu projeto ajuda a antecipar a visibilidade das lacunas. Como um farol de milha na neblina.
Esses são os 5 porquês que o meu farol possibilitou enxergar hoje. Com certeza você tem outros. E eu espero descobrir mais alguns ali ao virar a página.
O Clube da Escrita CC nasceu para ocupar esse espaço e catalisar a elaboração de possíveis respostas. Queremos fomentar uma comunidade de escritores profissionais que têm interesse genuíno em criar e compartilhar conhecimento – tendo a tal “presença online” como possível consequência e não como motivação primeira. Se você já me leu ou ouviu, sabe que o Clube não é para aprender copywriting, fortalecer self branding ou fazer networking. É para escrever mais e melhor sobre o trabalho, impulsionando o uso benéfico da comunicação em rede.
Por isso um Clube, por isso uma comunidade. Não há uma trilha única para impulsionar escritores. E um escritor nunca está totalmente pronto. Eu não sei caminho todo, mas tenho entusiasmo suficiente para dedicar energia a conectar vocês, escritores profissionais que estão separados pela distância, mas vivendo o mesmo tempo histórico.
Um tempo que possibilita que nos conectemos por valores e interesses – mas cheio de armadilhas para que não nos sintamos capazes de realizá-lo. Superá-las juntos é muito mais gostoso.
Finalmente, um Clube para chamar de seu.
(Quer participar? É só clicar aqui e garantir sua vaga na próxima turma)
A gente se escreve <3
PS: Dúvida sobre o uso dos porquês neste texto? Eu também estava, e perguntei para uma amiga editora e revisora. Vem para o Clube para ter para quem perguntar também. J