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20 de May

Mitos sobre aprendizagem que podem estar atrasando você - parte 1

escrito por:

Alexandre Santille

Ao longo de todos esses anos trabalhando com aprendizagem corporativa, tivemos a oportunidade de experimentar muitos métodos e formatos de ensinar e aprender. Por trás disso, sempre existiu a vontade de fazer diferente. De desenhar e proporcionar experiências que entregassem resultados tangíveis, mas que fugissem do óbvio. 

Aprendemos muito com essa postura questionadora, com nossa insatisfação e constante busca por novas alternativas. Nesse processo, acabamos descobrindo também que muitas das “verdades” desse mercado eram, na realidade, grandes mitos.

Confira alguns deles abaixo:

1. Existem diferentes estilos de aprendizagem

Você certamente já ouviu falar sobre sobre estilos de aprendizagem e como algumas pessoas aprendem mais de forma visual, auditiva ou cinestésica. A idéia é tão popular que uma pesquisa recente com diretores de escolas mostrou que 85% acreditam em estilos de aprendizagem, e que 66% aplicam o conceito no lugar onde trabalham. Alguns chegam até a pagar cursos para que seus professores se capacitem em metodologias baseadas nessa crença.

No entanto, muitos acadêmicos de disciplinas como neurociência, educação e psicologia têm expressado preocupações com a popularidade desta abordagem no ensino e na aprendizagem.

A apreensão é bastante compreensível, já que não existem evidências consistentes que validem a ideia. Um estudo publicado pelo jornal Anatomical Sciences Education feito por Polly R. Husmann tomou como base centenas de estudantes que fizeram o VARK (Visual, Aural, Read, Kinesthetic), um questionário que tem como proposta “mostrar em qual estilo de aprendizado você se encaixa”. Husmann descobriu que tanto os alunos  que estudavam de formas alinhadas ao seu estilo de aprendizado, quanto aqueles que adaptavam seus estudos de acordo com esse estilo não se saíam melhor em seus testes. Polly percebeu ainda que os alunos caíam em certos “hábitos” de estudos, os quais uma vez formados, eram difíceis de serem quebrados.

"Eu acho que como um exercício puramente reflexivo, apenas para você pensar sobre seus hábitos de estudo, [VARK] pode ter um benefício", disse Husmann. "Mas a maneira como temos categorizado esses estilos de aprendizado parece não se sustentar.” - segundo Polly.

Portanto, ainda não existem evidências que comprovem a existência de estilos de aprendizagem na prática educacional.

 2. A pirâmide do aprendizado

Pessoas lembram 10% do que lêem, 20% do que ouvem, 30% do que vêem, 70% do que dizem e escrevem e 90% do que fazem ou ensinam aos outros. Certo? Não exatamente.

Embora este mito tenha sido desmascarado há muito tempo, muitas pessoas ainda acreditam nele. Na realidade, a teoria nunca foi comprovada cientificamente.

O diagrama original, do livro de 1946 de Edgar Dale, Audio-Visual Methods in Teaching, foi apresentado sem números. Tempos depois, um diagrama que pretendia mostrar tais resultados foi atribuído ao pesquisador Micki Chi e associados. 

Will Thalheimer, conhecido por suas pesquisas na área de aprendizado, e seus colegas acharam os percentuais pouco precisos, sem dados para apoiá-los (Subramony et al. 2014).(além disso, raramente uma pesquisa revela números perfeitamente redondos).

Sem dúvida, a prática é uma parte fundamental do aprendizado. No entanto, não tem como afirmarmos com precisão quanto absorvemos de uma atividade ao praticá-la.  Fica a critério de cada um a quantidade suficiente de prática.

3. Lado direito X lado esquerdo do cérebro.

Reza a lenda de que pessoas que pensam mais com o lado direito do cérebro são mais criativas e artísticas, enquanto aquelas que usam o lado esquerdo têm um perfil mais lógico, analítico e metódico.

Essa teoria veio abaixo em 2013, quando o pesquisador Jared A. Nilsen analisou de perto imagens que mostravam a lateralidade dos neurônios, que consiste em ver nosso lado dominante (canhoto ou destro). Descobriu-se que durante a atividade cerebral algumas funções ocorrem mais de um lado do que de outro, mas não de forma consistente. Não existe, portanto, um lado versus o outro. 

Todos nós usamos nosso cérebro inteiro. Inclusive, é justamente isso, o fato de que nossas regiões cerebrais estão todas conectadas, que nos permite pensar criativa e analiticamente.

4. Usamos  apenas 10 por cento do nosso cérebro

A teoria de que utilizamos apenas 10% da capacidade do nosso cérebro existe há anos, e foi até promovida recentemente por Hollywood. No filme Lucy, estrelado por Scarlett Johansson, a protagonista descobre uma maneira de desbloquear todo o seu potencial cerebral , tornando-se um ser humano com super poderes. 

Na realidade, o que acontece é que usamos o cérebro por completo, mas ativamos partes diferentes a cada momento. 

Em 2008, a jornalista  Robynne Boyd (Scientific American) entrevistou diretamente alguns neurocientistas para questionar esse mito. Dito e feito. Como resultado, ela descobriu que muitas partes do nosso cérebro realmente estão em uso o tempo todo - até quando dormimos. Ao final do dia, muito mais que 10% do nosso cérebro foi usado.

Portanto, não se trata de usar uma maior porcentagem do seu cérebro, e sim de extrair o melhor dele. A melhora vem do esforço e não da disponibilidade. Se você quer aprender a vida inteira, você precisa aprender, praticar e usar. Não existe milagre.

5. A regra das 10 mil horas

Em 1993, o psicólogo Anders Ericsson realizou uma pesquisa que resultou na conclusão de que eram necessárias 10,000 horas dedicadas a determinado campo de atuação para tornar qualquer indivíduo um especialista na área. Essa mesma pesquisa foi popularizada pelo jornalista britânico Malcolm Gladwell em seu livro chamado “Outliers: The Story of Sucess”, publicado em 2008.

Não discordo que a prática é parte essencial do processo de aprendizado de uma nova habilidade, mas não há evidências de que temos um número exato de horas dedicadas que transformará você em um especialista.

Por exemplo, a maioria de nós dirige todos os dias, mas grande parte não é um expert em direção. Dedicar-se muitas horas nem sempre significa que você vai se tornar excelente em alguma coisa. 

Segundo um estudo da Universidade de Princeton, a teoria das 10 mil horas faz mais sentido em áreas de estruturas estáveis, onde as regras não mudam, como por exemplo o tênis ou xadrez. Em outras áreas menos estáveis, o domínio exige mais do que apenas a prática.

Além disso, dominar algo depende da qualidade da prática. Por exemplo, você pode jogar 10.000 horas de golf ou tênis. Entretanto, se a prática for de baixa qualidade, você dificilmente se tornará um jogador excelente.

A prática deliberada, feita de forma planejada e com apoio de um especialista que possa te dar feedbacks constantes, é a melhor alternativa, segundo pesquisadores. Além disso, idealmente , ela deve   empurrar você para fora da sua zona de conforto. Por isso o papel do coach ou treinador é tão importante.

Hoje o mercado de trabalho tem uma demanda por profissionais que estão em constante processo de aprendizagem - conceito conhecido como Lifelong Learning ou aprendizagem ao longo da vida. De fato, fazer disso um hábito é um grande desafio para todos nós. Por isso, é tão importante revisarmos as nossas crenças e questionarmos algumas "verdades".

Fontes:
Boser, Ulrich. Learn Better . Potter/Ten Speed/Harmony/Rodale. 2017
Quinn, Clark N.. Millennials, Goldfish & Other Training Misconceptions: Debunking Learning Myths and Superstitions, 2018
Five Popular Myths About Learning That Are Completely Wrong by Stephanie Vozza, fastcompany.comMay 17, 2017